Na condição de calouro temporão, as descobertas agregadoras que o reconhecido curso de direito da Católica SC, e seu diferenciado corpo docente, têm me proporcionado, instigaram-me à produção deste artigo. O teor deriva, providencialmente, de pesquisa recomendada pelo professor e amigo, doutor Diego Bayer, certamente com o intento de conscientizar seus pupilos de que no direito nem tudo é direito.

 

De fato, o mundo do direito, como em qualquer outra área do conhecimento humano, tem suas mazelas. Descobri que estas originam-se da lógica dual ou maniqueísta que caracteriza o processo de formação e organização das sociedades. Significa dizer que a vida nas sociedades democráticas é repleta de divergências entre o certo e o errado, entre justiça e injustiça.

 

Como bem exemplifica Michael J. Sandel, da Universidade de Harvard, “algumas pessoas defendem o direito ao aborto, outras o consideram crime. Algumas acreditam que a justiça requer que o rico seja taxado para ajudar o pobre, enquanto outras acham que não é justo cobrar taxa sobre o dinheiro recebido por alguém como resultado do próprio esforço. Algumas defendem o sistema de cotas na admissão ao ensino superior como uma forma de remediar erros do passado, enquanto outras consideram esse sistema uma forma injusta de discriminação invertida contra as pessoas que merecem ser admitidas pelos próprios méritos. Algumas rejeitam a tortura de suspeitos de terrorismo por a considerarem um ato moralmente abominável e indigno de uma sociedade livre, enquanto outras a defendem como um recurso extremo para evitar futuros ataques”.

 

Imagino que a tensão resultante desse dualismo, conjugada com a atuação limitada do Estado em criar e aplicar penas, alimentam o que se convencionou chamar de ‘sistema penal subterrâneo’, que de acordo com o professor Bayer, fundamentado em Zaffaroni, consiste no “poder punitivo que exerce atividades ilícitas, ou seja, que institucionaliza a pena de morte (execuções sem processo), desaparecimentos, torturas, sequestros, roubos, saques, tráfico de drogas, exploração de jogo, da prostituição, etc, qual apesar de ilícito, tem sua existência reconhecida em todos os sistemas penais”.

 

Penso também que a intensidade desse sistema paralelo é proporcional ao grau de ineficiência do Estado. Daí, pode-se deduzir que no Brasil é enorme o abismo entre o que está legalmente programado para ser punido e aquilo que efetivamente é punido. E como produto injusto dessa ineficiência, temos então a ‘seletividade penal’, que consiste em punir orientando-se no estigma do criminoso, isto é, na cor da pele, reputação, nacionalidade, grau de instrução, classe social, etc. Esta lógica obscura, mascarada e seletiva atende os interesses da classe dominante, fazendo com que a lei penal não se faça igual para todos. Enfim, é o lado sombrio do direito nos reconectando aos instintos mais primitivos da natureza humana.

Rita Grubba

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